sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Processo de tombamento do Cine Belas Artes é aberto (18/01/2011)

Imóvel não poderá ser alterado pelos próximos três meses.

Medida não garante, porém, que cinema continue funcionando no edifício.

Do G1, em São Paulo

Foi aberto nesta terça-feira (18) o processo de tombamento do Cine Belas Artes, tradicional cinema de São Paulo localizado na esquina da Avenida Paulista com a Rua Consolação. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa do cinema.

Na prática, o processo aberto pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) impede que o proprietário modifique o imóvel pelos próximos três meses. Nesse período, devem ser apresentados argumentos que justifiquem o tombamento.

Isso não garante, porém, que o o cinema permaneça instalado no imóvel. Segundo anúncio da administração feito no começo do mês, suas atividades serão encerradas em 27 de janeiro.

A estrutura do Cine Belas Artes inclui seis salas de projeção, distribuídas por três andares. A maior delas tem 290 poltronas. Ao todo, são 1,009 lugares.No final de março de 2010, o banco HSBC anunciou que deixaria de patrocinar o cinema. Desde então, seu proprietário André Sturm passou a procurar parcerias que mantivessem o local aberto. Em julho, em uma ação batizada de "Salve o Belas Artes", 16 restaurantes da cidade davam um ingresso - e uma sobremesa - aos consumidores que doassem R$ 5.

Segundo a assessoria de imprensa, caso o Belas Artes saia de seu atual endereço, Sturm tem o projeto de abrir um novo cinema com a mesma proposta, preservando inclusive o Noitão, uma sessão mensal durante a madrugada em que o público assiste a três filmes na sequência.

Não deixe o cine Belas Artes fechar (12/01/2011)


NABIL BONDUKI

Milhares de paulistanos estão contra o fechamento desse cinema porque se sentem ligados ao local, que é uma referência cultural e urbana

A mobilização que a notícia do fechamento do Belas Artes gerou fala por si só: o cinema é um patrimônio da cidade de São Paulo.

Seu desaparecimento seria a perda de um pedaço de nossas vidas e criará uma lacuna que São Paulo, tão desprovida de memória e de lugares significativos, não pode deixar acontecer. Milhares de paulistanos estão contra esse crime porque se sentem ligados ao local, uma referência cultural e urbana.

Não se trata de preservar a arquitetura do edifício, mas seu uso, sua importância como ponto de encontro e espaço de debate cultural. A noção contemporânea de patrimônio é clara: a comunidade, além dos especialistas, tem um papel fundamental na identificação dos bens culturais a serem protegidos.

A noção de patrimônio mudou muito desde que o Estado Novo, por meio do decreto-lei nº 25/1937, criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e instituiu o tombamento. Na época, prevaleceu uma visão restrita, voltada para os bens com valor arquitetônico e artístico, chamada de "patrimônio de pedra e cal".

Nessa concepção, os critérios utilizados para a seleção dos bens a serem protegidos eram os de caráter estético-estilísticos, excepcionalidade e autenticidade, valorizando a arquitetura tradicional luso-brasileira, geralmente edifícios isolados, produzida no período colonial.
O foco era a criação de uma identidade para fortalecer a construção do Estado nacional.

A partir dos anos 1970, essa noção de patrimônio se alargou para abranger sítios urbanos, manifestações de outros períodos e origens culturais e para valorizar os espaços representativos da vida social e dos hábitos cotidianos da população. Em certas situações, esses podem ser mais relevantes que monumentos de valor arquitetônico.

Valorizando o contexto urbano e edifícios utilizados pela população, essa visão reserva à comunidade um papel ativo na identificação do patrimônio. O tombamento do cine Belas Artes está respaldado no Plano Diretor Estratégico (PDE), do qual fui relator e redator do substitutivo na Câmara Municipal de São Paulo (lei nº 13.540/ 2002). O PDE incorporou integralmente essa visão contemporânea de patrimônio.

Uma das diretrizes do seu capítulo de política de patrimônio histórico e cultural é "a preservação da identidade dos bairros, valorizando as características de sua história, sociedade e cultura" (artigo 89, inciso III); uma das ações propostas é a de "incentivar a participação e a gestão da comunidade na pesquisa, identificação, preservação e promoção do patrimônio histórico, cultural, ambiental e arqueológico" (artigo 90, inciso VII).

De modo coerente com o PDE, parcela relevante da comunidade paulistana identificou um bem que faz parte da identidade de um bairro, que é característico da história e da cultura da cidade, e se mobiliza para garantir sua preservação.

Não é uma questão nova: em 2003, ocorreu uma grande comoção, que impediu o fechamento do Belas Artes e do antigo Cinearte (atual cine Livraria Cultura). Como parte daquela luta, propus uma lei que permite aos cinemas de rua o pagamento do IPTU e do ISS com ingressos, a serem utilizados pela prefeitura em programas de inclusão cultural.

Aprovada a lei e passado o sufoco, erramos ao não propor proteção legal permanente para os cinemas.

Agora, não temos tempo a perder; em poucos dias, o Belas Artes poderá ser uma ruína. A Associação Paulista de Cineastas já pediu o tombamento, pedido que eu reforço por meio deste artigo.

O Departamento de Patrimônio Histórico deve elaborar um parecer técnico e o Compresp (conselho municipal do patrimônio histórico) deve convocar reunião extraordinária, antes do final de janeiro, para aprovar o tombamento e não deixar que essa nova catástrofe ocorra em São Paulo.


NABIL BONDUKI é arquiteto, professor de planejamento urbano na FAU-USP e primeiro suplente de vereador da bancada do Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo. Foi vereador de São Paulo pelo PT (2001-2004) e relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal.